Do sonho ao temor: brasileiros ilegais nos Estados Unidos veem sua rotina ser alterada pelo perigo de serem deportados.

 

Há dezoito anos residindo, trabalhando e educando seus dois filhos nos Estados Unidos, juntamente com seu marido, a brasileira Rosângela Silva* luta para sobreviver além do temor de ser deportada. Ela e sua família deixaram Governador Valadares, uma cidade do Vale do Rio Doce, conhecida como um dos principais centros de migração do Brasil. Através da fronteira do México, eles alcançaram os Estados Unidos.

"Está sendo muito difícil trabalhar, ninguém sai de casa por causa das operações policiais dos Estados Unidos." Então, nós saímos pela manhã, mas e a volta? Não tem certeza se retornará para casa. A gente está se comportando como um criminoso, ué. "Temos que sair escondidos, não estamos mais vivendo, apenas sobrevivendo a esse pesadelo", afirmou Rosângela*

De acordo com Rosângela*, o ambiente é de terror entre os brasileiros, que agora se refugiam em becos e esquinas para se protegerem das incursões dos agentes de imigração nas ruas, um reflexo da intensificação da política de deportação do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Foram implementadas diversas ordens executivas e orientações governamentais para intensificar a supervisão e prevenir a entrada irregular de estrangeiros no país. Os imigrantes ilegais não são uma exceção.

Desde que assumiu o cargo, em 20 de janeiro deste ano, dois aviões com deportados dos Estados Unidos chegaram ao Brasil, trazendo um total de 199 brasileiros repatriados, a maior parte da Região do Vale do Rio Doce.

Na sexta-feira (21), um terceiro avião deve pousar. Da mesma forma que na última vez, os deportados devem chegar ao Aeroporto de Fortaleza, ao invés de Belo Horizonte, como vinha ocorrendo anteriormente.

A ação visa prevenir que o grupo sobrevoe o território nacional algemado. A quantidade de passageiros que embarcarão neste novo voo ainda não foi revelada.

Rosângela*, seu esposo e seus dois filhos residem em Massachusetts, estado dos Estados Unidos, onde residem desde que se estabeleceram na nação. Lá, ela exerce a função de diarista. Conforme o governo dos Estados Unidos, 5% da população é composta por imigrantes brasileiros, a maioria de Governador Valadares.

Como muitas famílias de imigrantes irregulares nos Estados Unidos, a diarista e seus familiares tiveram que alterar a rotina da residência. As táticas para tentar preservar a vida que construíram fora do Brasil incluem compartilhar a localização dos aparelhos móveis e modificar rotas.

"Há muitos valadarenses aqui que estão desesperados para voltar ao passado, mas não têm condições", relatou Rosângela*.

O Vale do Rio Doce, já atingido pela lama da catástrofe de Mariana, aponta uma rota que vai além de Minas Gerais. Nas mesas dos bares de Governador Valadares, a cidade principal da região, é comum ouvir relatos de indivíduos que conhecem "alguém que se foi".

Nas proximidades do Centro, estabelecimentos comerciais e lojas com a palavra "América" no nome transformam a cidade em "Valadólares" (entenda a origem do apelido mais adiante). Com um clima quente e uma população de pouco mais de 257 mil pessoas, ela é famosa pelo intenso fluxo de imigrantes para os Estados Unidos.

Em meados da década de 1940, descobriu-se uma extensa mina de ferro perto de Valadares, em Itabira. Durante o mesmo período, começou uma reforma na ferrovia que cruzava a área.

Os funcionários da companhia encarregada da reforma eram de origem norte-americana e se mudaram para Minas Gerais para trabalhar, trazendo suas famílias e tradições. Naquela época, os mineiros experimentaram pela primeira vez a moeda estrangeira, pois os americanos a empregavam para compras na cidade.

Sueli Siqueira, doutora e especialista em migração da Universidade do Vale do Rio Doce (Univale), esclarece que, mesmo diante do choque entre duas culturas totalmente distintas, Valadares conseguiu se ajustar aos novos habitantes.

Por volta da década de 1960, as pessoas já possuíam essa vivência com esses americanos, nenhum deles levou um brasileiro para os Estados Unidos, isso não ocorreu. "Porém, um engenheiro dos Estados Unidos, casado com uma portuguesa, estabeleceu uma escola de inglês aqui em Governador Valadares", esclareceu a docente.

Com a inauguração da nova escola de idiomas, os jovens mais abastados da cidade começaram a aprender inglês e, por consequência, a se envolver em intercâmbios. Embora não tenham sido os pioneiros na imigração, eles trouxeram a Valadares a informação de que os Estados Unidos eram um excelente local para trabalhar e ganhar dinheiro.

No mês de setembro de 1964, os primeiros migrantes embarcam para os Estados Unidos na busca por melhores condições de trabalho. A maioria deles era composta por homens jovens, fluentes em inglês e com alto poder aquisitivo.

De acordo com as investigações de Sueli Siqueira, iniciadas na década de 1990, cada um deles levou, no mínimo, mais 20 indivíduos para os Estados Unidos, criando várias comunidades de mineiros no país americano.

A cidade ganhou o apelido de "Valadólares" devido ao aumento da emigração e ao recebimento de remessas monetárias dos familiares dos migrantes.

Durante as décadas de 1980 e 1990, a economia de Valadar foi fortemente impactada pelas remessas, que atenuaram um pouco essa vulnerabilidade econômica através desses investimentos em moeda estrangeira. Esses investimentos foram aplicados na edificação de residências, edifícios, para estabelecer empreendimentos... A professora Gláucia de Oliveira Assis, coordenadora do Observatório das Migrações, explica que durante um tempo a economia de Valadares foi dolarizada, com as pessoas pagando por produtos em dólar.

No entanto, essa realidade sofreu alterações significativas nas últimas décadas. Desde 2019, o governo dos Estados Unidos intensificou a vigilância contra imigrantes ilegais. O número de deportações cresceu, a fiscalização nas fronteiras se intensificou e o temor daqueles que deixaram tudo para trás em busca de um sonho se tornou habitual.

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